A tão propalada e debatida morosidade da Justiça tem como discurso a multiplicidade de recursos existentes e postos à disposição dos operadores do direito.
Tenho defendido a tese, que o simples fato de se eliminar diversos remédios recursais não aliviará a sobrecarga judiciária, basicamente pelos seguintes fatos: somos acostumados a litigar não a conciliar, em regra geral cresce o pagamento de honorários advocatícios quanto mais recursos forem interpostos no processo; é fácil dever à Justiça, o devedor não entra em nenhuma "lista" de inadimplência e desenvolve normalmente suas atividades, aliadas ao fato da baixa remuneração do capital devedor judiciário em face do lucro obtido no mercado financeiro e por último, porém não menos importante, a falta de ações afirmativas processuais contra os demandantes protelatórios.
Neste sentido, revela-se profundamente desalentadora a decisão proferida pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho nos autos do Processo RR nº 230/2003-034-12-00.1, quando afastou a deserção e determinou o retorno dos autos ao TRT da 12ª Região, a fim de que aprecie as razões do recurso ordinário, sob o argumento que não há deserção, quando a parte condenada por litigância de má-fé não efetua o depósito de tal condenação para fins recursais.
Tal postura só facilita o retardo da efetivação do direito, ao dispor que o pagamento da aludida multa só deve ocorrer ao final do processo.
Tenho sistematicamente declarado desertos recursos quando a parte condenada por litigância de má-fé, nos termos do art. 18 do CPC, não efetua o recolhimento prévio, independentemente do recolhimento regular do depósito recursal e das custas processuais.
Com efeito, dispõe o art. 35 do CPC, que se trata de uma obrigação, pois tal condenação se assemelha a custas, logo deve o recorrente de má-fé, garantir o juízo em sua totalidade, inclusive com o relativo à indenização imposta.
Vale transcrever algumas decisões deste Magistrado que foram apreciadas pelo TRT 8, neste sentido é a decisão da 4ª Turma do TRT 8, nos autos ACÓRDÃO TRT 4ª T / RO 1389/2000
. Igual situação foi apreciada pela 1ª Turma do TRT 8, no ACÓRDÃO Nº TRT1ª T. - AI635/2002, com a seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESERÇÃO. A multa imposta ao litigante de má-fé, nos termos do artigo 18 do CPC, deverá ser recolhida para o preparo do recurso ordinário, sob pena de não conhecimento do apelo, por deserção. Rel. Juíza Alda Maria de Pinho Couto.
Com a sapiência de sempre a ilustre Juíza Alda Couto ensina:
Tal indenização, como preconiza o artigo 35 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho, será contada como custas:
Art. 35 - As sanções impostas às partes em conseqüência de má-fé serão contadas como custas e reverterão em benefício da parte contrária; as impostas aos serventuários pertencerão ao Estado. (destaquei)
Sendo tratadas como custas processuais, a parte recorrente deveria proceder ao seu recolhimento, a fim assegurar o preparo de seu recurso, a teor do artigo 789, `PAR` 4º, da CLT.
Em não o fazendo, seu apelo encontrar-se-ia deserto.
Nesse sentido, a jurisprudência pátria vem decidind
PROCESSO - Princípios (do) Litigância de má-fé. A multa imposta ao litigante de má-fé, de acordo com o art. 35, do CPC, será contada como custas. Deve ser recolhida para o preparo do recurso ordinário, providência que não observada importa na deserção do apelo. (TRT 2ª R. - RS 20000314476 - (20000364201) - 6ª T. - Rel. Juiz Sonia Aparecida Gindro - DOESP 21.07.2000)
PRINCÍPIOS (DO) - SANÇÃO IMPOSTA À PARTE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Recolhimento para a garantia da execução. Agravo de petição não conhecido, porquanto a parte não recolhendo a indenização devida ao adversário, a que foi condenada por litigância de má-fé, a qual deve ser contada como custas de acordo com o art. 35, do CPC, não garantiu a execução. (TRT 2ª R. - AP 20000141148 - (20000317858) - 6ª T. - Rel. Juiz Sonia Aparecida Gindro - DOESP 30.06.2000)
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INDENIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE DEPÓSITO - DESERÇÃO - Não se conhece de recurso por deserto quando o obreiro deixa de efetuar o depósito do valor a que fora condenado como litigante de má-fé. Não tratou a norma consolidada no art. 899, `PAR` 1º de conferir tratamento diferenciado ao empregado, de sorte que, pela necessidade de garantir o Juízo, impõe efetuar o depósito para atender pressuposto processual extrínseco de admissibilidade do recurso ordinário. (TRT 10ª R. - RO 2853/99 - 1ª T. - Rel. Juiz João Mathias de Souza Filho - J. 16.02.2000)
Cumpre-me destacar que o valor recolhido a título de custas processuais NÃO é suficiente para cobrir o valor da indenização fixada pela r. sentença de embargos (fl. 586).
Esclareço, também, que tal indenização não se encontra abarcada pelo depósito recursal de fl. 585 dos autos, eis que o mesmo, a teor do que dispõe o parágrafo primeiro do artigo 899 da CLT, refere-se ao valor da condenação, e não à sucumbência, onde estariam incluídas as custas processuais e a indenização em razão da litigância de má-fé.
Peço venia para transcrever a seguinte decisão do E. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Regiã
DESERÇÃO - O depósito exigido à interposição de recurso ordinário, nos termos do art. 899, `PAR` 1º, da CLT, é correspondente ao valor da condenação, que não se confunde com a sucumbência, essa última envolvendo também as despesas processuais e a indenização decorrente da litigância de má-fé. (TRT 4ª R. - RO 00771.751/98-2 - 6ª T. - Rel. Juiz Milton Varela Dutra - J. 11.01.2001)
Assim, com a empresa embargante não efetuou o pagamento da indenização a que estava obrigada, definida em embargos de declaração, entendo correta a r. decisão que negou seguimento ao recurso ordinário interposto.
Igual lição se obtém do Acórdão da 2ª Turma do TRT 8, AI nº 2.232/2003, da lavra do eminente Magistrado e Professor Vicente José Malheiros da Fonseca:
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SANÇÃO. DEPÓSITO. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Segundo o art. 35, do CPC, invocado subsidiariamente ao processo trabalhista (art. 769/CLT), em caso de aplicação de multa e indenização por litigância de má-fé, faz-se necessário o depósito dos valores arbitrados para interposição de recurso, sob pena de deserção, observado o limite legal quanto ao valor da condenação.
Do voto do mestre Malheiros, extrai
Na verdade, a aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa, estabelecida no caput do art. 18, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.668, de 23.06.1998, corresponde ao mesmo valor previsto no parágrafo único do art. 538, do CPC. E a indenização na ordem de 20% sobre o valor da causa encontra respaldo no parágrafo 2º do mesmo art. 18, do CPC, em caso de interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório, tal como preconiza o art. 17, inciso VII, do CPC, acrescentado pela Lei nº 9.668/98, o que configura litigância de má-fé.
Ora, os embargos declaratórios, à luz da legislação, constituem medida recursal (art. 496, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 8.038, de 25.05.1990).
Desse modo, não há se falar em qualquer irregularidade ou violação ao princípio do non bis in idem na aplicação da multa cumulada com a indenização, conforme decidiu a instância de origem.
Conforme ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "caraterizada a litigância de má-fé, há para o improbus litigator o dever de indenização, mesmo que seja vencedor na ação, pois independe do resultado da demanda. Essa condenação pode ser imposta cumulativamente com a pena pelo embaraço à atividade jurisdicional (contempt of court), prevista no CPC 14 V e par. ún., porque os bens jurídicos ofendidos e seus titulares são diferentes: o dever de não causar embaraço ao exercício da atividade jurisdicional e o Estado-juiz (contempt of court) e o dever de probidade e a parte prejudicada (litigância de má-fé)" (Código de Processo Civil Comentado. 6. ed. São Paul Editora Revista do Tribunais. p. 306).
Em relação ao segundo argumento do agravante - pagamento da multa por litigância de má-fé como pressuposto de admissibilidade do recurso - entendo perfeitamente aplicável ao processo trabalhista, por força do que dispõe o art. 769, da CLT, o preceito contido no art. 35, do CPC, in verbis:
"Art. 35 - As sanções impostas às partes em conseqüência de má-fé serão contadas como custas e reverterão em benefício da parte contrária; as impostas aos serventuários pertencerão ao Estado".
Se assim dispõe a lei, é evidente que as sanções resultantes da litigância de má-fé constituem pressuposto de admissibilidade recursal, no que toca ao valor das "custas", eis que o "valor da condenação" é limitado ao quantum fixado na legislação (art. 899 e `PAR``PAR`, da CLT; art. 40 e `PAR``PAR` da Lei nº 8.177, de 1º.03.1991; art. 8º da Lei nº 8.542, de 23.12.1992; e Instrução Normativa nº 3, de 05.03.1993, do C. TST).
Nesse sentido, a doutrina de Júlio César Bebber, a seguir:
"O depósito do valor das multas em nada se identifica com o depósito do valor da condenação. Aquele visa sancionar a parte, pela ação desleal, com a imposição de efeito pecuniário, enquanto este, como ressaltado anteriormente, busca assegurar, ainda que parcialmente, o sucesso da futura execução".
Trata-se, pois, de institutos diferentes que, a não ser pela condição de pressuposto recursal, em nada se identificam, merecendo cada qual tratamento próprio.
Dessa forma, sendo imposta ao empregador (réu) multa com fundamento nos arts. 538, parágrafo único, e 557, `PAR` 2º, do CPC, este, para ter admitido seu recurso, deverá depositar o valor arbitrado à condenação (em sua totalidade ou de acordo com o limite legal), além da quantia integral da multa imposta.
O valor da multa não deverá ser somado ao quantum arbitrado à condenação para efeito do depósito recursal, por tratar-se de instituto com finalidade distinta.
O fato de já se ter efetuado o depósito da condenação no valor limite (Lei n. 8.177/91, art. 40), frise-se, não exime o depósito do valor da multa, que deverá ser efetivado integralmente.
Caso a multa tenha sido imposta ao empregado (autor), caber-lhe-á, igualmente, para ter conhecido o seu recurso, efetuar o depósito da referida quantia, ainda que seja beneficiário da Justiça Gratuita.
Desse depósito não escapam nem mesmo os beneficiários da gratuidade, `apesar de o art. 3º II, da Lei 1.060/50 prever a isenção das custas e o art. 35 do Código de Processo Civil contar como custas as sanções impostas às partes em conseqüência da má-fé. Em primeiro lugar, o art. 35 só visa a incluir o valor da sanção na conta; ademais, a isenção do beneficiário, admitido o caráter exemplificativo do art. 3º da Lei 1.060/50, abrange as despesas geradas por atos do processo (art. 9º da Lei 1.060/50), e o art. 19, `PAR` 2º, do Código de Processo Civil não inclui as multas do art. 538, parágrafo único, segunda parte, e 557, `PAR` 2º, no conceito legal de despesa.
De nada valeriam as finalidades repressiva e retributiva dessas sanções, de resto, se toda uma classe de litigantes, que, sem embargo da qualidade de necessitados, às vezes, abusarão dos recursos de agravo e embargos declaratórios, se situassem fora do seu campo de incidência`" (Recursos no Processo do Trabalho. São Paul LTr, 2000. p. 139-140).
Portanto, considerando o que prevê o art. 35, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo trabalhista (art. 769/CLT), em caso de aplicação de multa e indenização em decorrência de litigância de má-fé, faz-se necessário o seu pagamento para posterior interposição de recurso, sob pena de deserção.
Desse modo, mantenho a r. decisão de 1º Grau que negou seguimento ao recurso ordinário do reclamado BANCO DA AMAZÔNIA S/A - BASA, porque deserto, uma vez que não foi efetuado o pagamento das sanções por litigância de má-fé, cominadas na r. sentença de embargos declaratórios, particularmente o valor da multa ali fixada.
Rui Portanova sustenta que o juiz deve ser a expressão da democracia, não havendo razão para enclausurar o julgador em cubículos formais de procedimento com pouca liberdade criativa. Ao contrário, este deverá afastar a lei injusta aplicando os princípios gerais, a dialética, a transdogmática e a Constituição. Segue afirmando que o juiz deve se libertar do império da lei aproximando-se da realidade fazendo emergir um direito mais voltado à justiça e menos à legalidade (PORTANOVA. Rui. Motivações ideológicas da sentença. 5ª ed. Porto Alegre. Ed. Livraria do Advogado, 2003, p.129).
A atual modernidade impõe ao julgador transgredir valores e com novos paradigmas sua função de julgar, pois a interpretação sistemática do direito indica que não existe apenas uma resposta correta dentro do sistema jurídico, devendo ser afastada a idéia de descoberta da vontade pela vontade do legislador, e a submissão do juiz à lei.
Bem aponta Juarez Freitas (A Interpretação Sistemática do Direito. 4ª ed. São Paulo. Ed. Malheiros, 2004, p. 80), que: "A interpretação sistemática deve ser entendida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre as várias possíveis, aos princípios, às normas estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação".
Joaquim Falcão, em artigo publicado na Folha de São Paulo ("Um ovo de Colombo", 29/04/03) lembrou em tempo que "está na hora de o Judiciário deixar de colocar a culpa da lentidão judicial no direito processual e nos advogados e agir mais determinadamente com os instrumentos de que já dispõe".
Logo ou se aplica de forma interpretativa sistemática o direito, como instrumento de valorização social e efetividade das decisões judiciais ou iremos continuar como meros despachantes de luxo, pois bem lembra Dostoievski que o melhor homem do mundo pode tornar-se insensível pelo hábito. Assim, de nada adiantará a melhor Justiça do mundo, se os seus julgadores são insensíveis pelo hábito de julgar.