Quando uma ou algumas normas jurídicas pontuais entram em vigor e se inserem num sistema preexistente, são como garoa cadente sobre o oceano, que tende a perder ou amalgamar as características originais no todo. Seriam necessários dias de tempestade para que a chuva impactasse a salinidade do mar. Do contrário, a força do status quo acabaria se impondo.
Para que alterações legislativas pontuais sejam decisivas é preciso visar os cânones, os princípios basilares do sistema. Aí sim, uma ou algumas poucas incisões mudam completamente a feição do sistema.
Tome-se como exemplo, em Direito do Trabalho, o artigo 468 da CLT (princípio da inalterabilidade "in pejus" das cláusulas contratuais adquiridas). É apenas um dos muitos artigos da Consolidação, mas constitui a espinha dorsal do direito material do trabalho como o conhecemos hoje. Qualquer infusão nesse dispositivo equivaleria, sistemicamente, a um maremoto.
É isto, guardadas as proporções e metáforas, que vem se dando no processo civil desde o início da década de 90: Identificados os `gargalos`, são refeitos, encurtados ou alongados ou simplesmente revogados, conforme o efeito desejado, mudando-se, no mais das vezes - e porque implodidas algumas vigas do CPC de 1973 -, toda a estrutura.
Ocorre que nem toda a legislação processual comum é aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, de modo que nem tudo o que é princípio em um, o é também no outro. Há autonomia do processo trabalhista em relação ao comum, daí porque se o admite por empréstimo desde que, além de lacuna no sistema a ser preenchida, não colidam os princípios deste com os do enxertado.
Mormente a execução trabalhista. No processo de conhecimento, a legislação processual comum é a primeira fonte subsidiária (art. 769 da CLT), mas no de execução cai para a segunda, havendo um filtro anterior, o da Lei dos Executivos Fiscais (art. 889 da CLT).
Note-se que a aplicação subsidiária do processo comum ao processo de execução trabalhista não consta diretamente na CLT. O artigo 889 da Consolidação remete apenas à Lei 6830/80. Esta é que, em seu artigo 1o. dispõe que, para as suas lacunas serve o rescaldo do CPC.
A legislação processual trabalhista, portanto, implicitamente assume que os sistemas não são gêmeos univitelinos. Do contrário, não teria lógica a subsidiariedade, bastando não existir legislação própria para que se aplicasse integralmente a comum. É uma questão genealógica incontestável.
Se há dois sistemas processuais (o trabalhista e o comum) autônomos, há institutos que só fazem sentido num ou noutro. E, de fato, verificando-se as recentes alterações da execução de título judicial do CPC, o primeiro passo é identificar o que é próprio do sistema comum e o que não é. Alguns dos institutos da nova execução comum fazem sentido somente se associados à toda estrutura; isolados perdem completamente a razão. A transformação da execução comum não foi pequena, o que exige ainda maior cautela na transposição de suas novas normas, agora, para a execução trabalhista.
Uma das fundamentais transformações do CPC é a eliminação da execução de título judicial enquanto processo, rebaixado que foi a mera fase complementar do próprio processo de conhecimento. Eliminou-se a citação pessoal do executado não por outro motivo, ou seja, por não mais se enxergar fronteira processual, e sim a continuidade natural da cognição, cujo clímax pretendia-se na sentença. Coerentemente, também a fixação do "quantum debeatur" perdeu importância, deixando de ser, em regra, apelável, para assumir-se meramente agravável (somente por instrumento, inviabilizando-se o retido pelas mesmas razões lógicas: o fim do processo, almeja-se, é a satisfação efetiva do credor, e não mais a mera certeza teórica do direito ou a declaração monetária).
Querer migrar a nova execução civil para a trabalhista em bloco seria impossível (como sempre o foi, mas agora com outros obstáculos). A execução comum, no que toca a esta espécie de execução (de título judicial), vinha sofrendo influências do informalismo e objetividade mais antigas do processo trabalhista; agora descola-se e passa a dianteira do trabalhista em muitos aspectos, sendo seu próprio guia daqui em diante. É o aprendiz superando o mestre.
Hoje, com absoluta certeza, a execução de título judicial trabalhista e comum são estruturalmente mais díspares a ponto de tornar inconciliáveis muitas das novas disposições, que antes eram espelho do processo laboral: aplicá-las parcialmente seria como arrancar muda da terra, dilacerando as raízes.
Ainda que a doutrina especializada discutisse se a execução da sentença trabalhista era ou não um processo autônomo, até hoje esta começa, obrigatoriamente, com a citação (por Oficial de Justiça) pessoal do executad
"Art. 880. O juiz ou presidente do Tribunal,
requerida a execução, mandará expedir mandado de
citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou
o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações
estabelecidas, ou, em se tratando de pagamento em
dinheiro, incluídas as contribuições sociais devidas
ao INSS, para que pague em quarenta e oito horas, ou
garanta a execução, sob pena de penhora.
(...)
Parágrafo 2o. A citação será feita pelos oficiais de
justiça.
(...)".
É bem verdade que as conjecturas acadêmicas próprias do processo trabalhista neste particular sempre se deram principalmente pela possibilidade de impulso "ex officio", mas o ponto de partida sempre foi e ainda é a citação pessoal do executado por oficial de justiça.
Mais que isto. O artigo 882 da CLT ainda dispõe que "o executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizado e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código Processual Civil". O artigo seguinte (883) sanciona a hipótese de inércia do executad "Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora de bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial". "Garantida a execução ou penhorados os bens", arremata o artigo 884, "terá o executado cinco dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação", sendo que, segundo o parágrafo 3o., "somente nos embargos à penhora poderá o executado impugnar a sentença de liquidação, cabendo ao exeqüente igual direito e no mesmo prazo".
Aqui vale recobrar que a remissão direta ao artigo 655 do CPC é a única exceção à aplicação primeira da Lei 6830/80, que também contempla uma ordem preferencial de bens penhoráveis em seu artigo 11, que não é réplica fiel do artigo 655 do CPC.
Aliás, alguns procedimentos da Lei 6830/80, notadamente por serem diferentes dos da CLT, sempre foram considerados inaplicáveis subsidiariamente. Um bom exemplo, é, justamente, a possibilidade de citação pelo correio, prevista no artigo 8o.: "O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas: I - a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer de outra forma; II - a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado; ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal; III - se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze) dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por Oficial de Justiça ou por edital; IV (...)".
Ora, se a Lei 6830/80 aplica-se à execução preferencialmente ao CPC, e referida regra sempre foi considerada inaplicável exatamente porque a CLT dispõe de modo diverso, é óbvio que o CPC, antes ou depois das alterações sob comento, era e continua sendo inaplicável no particular.
Trazer as novas disposições do CPC para a execução trabalhista, realmente, é deveras difícil por ter preferência a Lei 6830/80, sendo que esta também prevê rito diferente - agora mais assemelhado com o da CLT do que com o do CPC - para garantir a execuçã "Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa, o executado poderá: I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; II - oferecer fiança bancária; III - nomear bens à penhora, observada a ordem do art. 11; ou IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública" (art. 9o.).
A multa do artigo 475-J do CPC não pode ser vista fora do seu contexto, qual seja, a nova fase de execução de título judicial comum. Guarda inexorável lógica com a estrutura processual toda. De se lembrar, ademais, que no processo comum o recurso contra a sentença do processo de conhecimento (a apelação) tem em regra efeito suspensivo (artigo 520 do CPC). O primo trabalhista (o recurso ordinário) não tem efeito suspensivo, em face da regra geral prevista no artigo 899 da CLT .
Tem lógica, portanto, no processo comum, que em algum momento a partir da publicação do acórdão de apelação, estando em condições de ser paga, à condenação seja agregada a multa de 10% do artigo 475-J do CPC.
Há outra peculiaridade do processo comum que não pode ser ignorada na comparação com o processo do trabalho. Com efeito, a cumulação objetiva, no processo trabalhista, é bem mais freqüente e complexa do que no processo comum. Naquele, a prática revela ser regra a cumulação objetiva. O trabalhador-reclamante postula vários títulos de naturezas diversas (horas extras, rescisão indireta, indenizações de toda ordem etc.), sendo conhecida no foro especializado a complexidade de reconstrução da remuneração (art. 457 da CLT), com reflexos de alguns títulos sobre outros e assim sucessivamente, de maneira que, mesmo dependentes de cálculos meramente aritméticos, são geralmente bastante demorados; já o processo de conhecimento comum costuma gravitar sobre uma ou algumas providências jurisdicionais possíveis para solucionar espécies de ilícitos civis (família, sucessão, contratos de compra e venda, locação etc.), cuja quantificação é mais linear.
Tem se discutido no direito processual comum a noção de "sentença líquida", por considerarem, algumas opiniões de peso, como ilíquidas somente as sentenças que exijam artigos de liquidação ou arbitramento; as que podem ser quantificadas mediante cálculos aritméticos são, para tais posições doutrinárias e jurisprudenciais , também sentenças "líquidas". O norte, aqui, é a possibilidade de pronta determinação do valor, e não a previsão literal, já na própria sentença, do valor da condenação.
Em que pese sentirmos desconforto conceitual em aderir a tais opiniões, até por conta da redação do novo artigo 475-A do CPC ("quando a sentença não determinar o valor devido, proceder-se-á à sua liquidação"), é bem verdade que o artigo 475-B do CPC lança uma nuvem de fumaça ao estipular que, "quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do artigo 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo", o que tem servido também, estranhamente, de argumento aos especialistas para concluir peremptoriamente que os cálculos aritméticos não seriam uma terceira modalidade de liquidação de sentença. O efeito prático disto, mesmo no processo comum, todavia, talvez seja quase nenhum, porque se a lei exige ao menos que o exeqüente apresente desde logo uma memória de cálculos, não seria da intimação de decisão de mérito recorrível, ou recorrida sem efeito suspensivo, ou mesmo transitada em julgado, que o prazo de 15 dias do artigo 475-J passaria a fluir . Pode não haver um procedimento completo e assumido de liquidação nesta hipótese, mas haverá, no mínimo, a iniciativa do exeqüente ao delimitar valores para, só da intimação do executado em relação aos mesmos, se cogitar de fluência do prazo de 15 dias sob pena da multa de 10%. Como se vê, numa análise prática, ceifou-se, no caso da liquidação por meros cálculos, na melhor das hipóteses, uma parte daquela antiga terceira espécie de liquidação.
De qualquer modo, em matéria de liquidação de sentença, o processo trabalhista tem também regramento próprio e bastante, de maneira que nunca foi necessário tomar regras emprestadas do processo comum . No sistema da execução laboral há três, e não apenas duas, modalidades de liquidação, vez que não se recusou ao cálculo aritmético essa natureza:
"Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos" (artigo 879 da CLT).
Há interessante julgado do TRT da 10a. Região, aliás, que ilustra bem o que se espera de uma e outra sentença (de mérito e de liquidação):
"A decisão que julga a liquidação deve fixar o valor devido pelo executado, a fim de possibilitar o cumprimento da obrigação. É nula a decisão se não foi estabelecido o quantum debeatur, mas apenas os parâmetros para a sua elaboração (TRT, 10a. Reg., AgPet 319/85, Satyro e Souza, Ac. 1a. T. 790/86)".
Voltamos a enfatizar que no processo do trabalho o recurso contra a sentença cognitiva não tem efeito suspensivo. E a jurisprudência do TST é no sentido de considerar inexigível a penhora em dinheiro quando a execução for provisória:
"Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC" (Súmula 417, item III, do TST).
Isto se deve ao artigo 899 da CLT, que admite a execução provisória somente até a penhora, regra específica da execução trabalhista, e não de normas do direito comum aplicáveis subsidiariamente. Revela-se, nisto, com maior vivacidade, que a execução de título judicial comum tomou caminho diverso do processo do trabalho, a partir da Lei 11.232/05, como numa bifurcação.
Mas a inovação é recente, e as primeiras opiniões publicadas mostram que longe se está de se definir se o artigo 475-J do CPC será ou não aplicado subsidiariamente à execução de sentença trabalhista.
Há um componente político que explica o entusiasmo inicial em favor da aplicação subsidiária, pois apesar da maior celeridade da execução trabalhista até aqui, precede a Lei 11.232/05 uma dose exacerbada de ansiedade nos magistrados especializados para tornar ainda mais efetiva a execução, mediante adoção de novos institutos ou penas que, de alguma maneira, agreguem desvantagens econômicas para o executado na resistência ao cumprimento da condenação.
Já tivemos oportunidade de criticar severamente, outrora, uma proposta de aplicação da taxa selic à execução trabalhista, defendida por alguns Ministros do TST como maneira de agravar a posição do executado .
Aqui e acolá surgem idéias que não disfarçam criatividade , não sendo surpreendente na doutrina especializada um certo encantamento pela multa do artigo 475-J do CPC , em boa parte creditável à euforia da novidade, que o tempo e a controvérsia haverão de desbastar.
Essa compulsividade pelo endurecimento da execução trabalhista é a nosso ver manifestamente exagerada também porque a execução trabalhista, com institutos próprios, é (e continua sendo) muito mais rigorosa do que a processual comum. De se lembrar que não há congênere na execução de sentença cível o nosso depósito recursal prévio, cujo valor, atualizado permanentemente, é deveras `salgado` para o devedor (a partir de 01 de agosto de 2006, por força do Ato n. 215 da Presidência do TST, passará a R$ 4.808,65 para recurso ordinário, e R$ 9.617,29 para recurso de revista, de embargos, recurso extraordinário e recursos em ação rescisória). Vale recordar também que a impropriamente denominada "penhora on line" - que não é um instituto em si, mas apenas um software que comunica o Poder Judiciário ao Banco Central, facilitando a pesquisa e bloqueio de numerário depositado em contas bancárias de executados - teve origem no processo comum e acabou sendo mais largamente utilizada na execução trabalhista, de tal maneira que hoje, em execuções definitivas (não se a admite em execuções provisórias), o executado que mantém numerário em banco não consegue procrastinar a execução com incidentes insinceramente baseados no artigo 655 do CPC.
Se o princípio que fomenta tal tendência é compelir indiretamente o executado ao cumprimento da obrigação contida na condenação, seria necessário advertir que tantas penas sobrepostas (as que já existem na lei trabalhista, mais as que são "criadas" pela jurisprudência, como é o caso da Súmula 07 do TRT/SP, e as específicas do processo comum) levarão ao extremo oposto (e contraproducente) de aniquilar o devedor, impossibilitando, via oblíqua, o cumprimento, espontâneo ou não, da condenação.
Não se pode perder de vista, outrossim, que em se tratando de penalidade, qualquer interpretação analógica ou ampliativa é cultural e historicamente rejeitada em hermenêutica. Assim, se a multa foi criada como um apêndice da nova execução de título judicial do processo civil, como se disse alhures, transportá-la isoladamente para o processo trabalhista seria como arrancar broto com ruptura das raízes.
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1. Somos da opinião que, ao menos por via oblíqua, caso a caso e com base no poder geral de cautela, o Juiz do Trabalho, ao determinar o processamento de qualquer recurso, pode imprimir-lhe efeito suspensivo (v. estudo publicado em vários sites, intitulado "O Efeito Suspensivo dos Recursos Trabalhistas"). Mas esta é uma opinião minoritária.
2. "Liquidez é um conceito de direito material. É
líquida a obrigação quando a determinação do quantum
debeatur não depende da investigação de fatos
exteriores ao título que a institui ou corporifica -
seja porque no título já vem indicado o seu valor, seja
porque a revelação deste pode ser obtida mediante
simples operações aritméticas com parcelas, índices ou
coeficientes ali declarados e notórios. Daí a
afirmação, corrente na doutrina e nas manifestações
pretorianas de que a liquidez equivale ao estado de
determinação do valor da obrigação, ou à sua mera
determinabilidade por esse meio, sem busca de
elementos aliunde" (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Atualidades sobre Liquidação de Sentença - Coord.
Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo, RT, 1997, p.
18).
"O cálculo é demasia. Assim como o contador, podem
as partes, seus advogados ou alguém por eles, praticar
as operações aritméticas referidas no primeiro caso ou
obter as certidões comprobatórias da cotação em bolsa,
nos outros" (ARAGÃO, Moniz de. "Sugestão ao Novo
Código de Processo Civil", in Estudos sobre a reforma
processual, Curitiba, 1969, p. 90).
3. "PROCESSUAL - EXECUÇÃO - CÁLCULO DO CREDOR (CPC,
ART. 604) - ATUALIZAÇÃO DE CÁLCULOS ACOSTADOS COM A
INICIAL - LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS - DESNECESSIDADE -
OFENSA AO ART. 10 DO CPC.
I - Com a nova redação do Art. 604 do CPC,
retirou-se a autonomia da liquidação que dependa de
simples cálculo aritmético. Tal liquidação passou a
ocorrer na própria execução, economizando-se um inútil
processo de liquidação, aumentando-se o rendimento da
máquina judicial, emprestando-se mais força e
confiabilidade à função jurisdicional.
II - Quebrou-se a regra de que apenas sentenças
líquidas são exeqüíveis. Hoje, é exeqüível a sentença
cujo valor possa ser determinado por simples cálculo
aritmético. Instaurada a execução com base na memória
de cálculos, o executado os impugnará, opondo
embargos. Ao juiz é lícito acolher parcialmente tais
embargos, fazendo com que a execução prossiga, na
parcela não embargada, ou a respeito da qual, os
embargos tenham sido rejeitados.
(...)"
(REsp 233508/PE - Relator Ministro Humberto Gomes de
Barros - 1a. Turma STJ - Julg. 22/08/2000 - Publ. DJ
16/10/2000, p. 289).
4. Este parece não ser o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a julgar pelo Provimento n. 1158/06, do Conselho Superior da Magistratura, indicando, em seu artigo 1o., que o devedor que desejar efetuar depósito judicial para não responder pela multa do artigo 475-J do CPC, deverá fazê-lo no juízo de 1o. grau mesmo que o processo se encontre no Tribunal.
5. Este também é o sentimento de ESTEVÃO MALLET: "(...) Já o regime da liquidação de sentença, decorrente dos artigos 475-A a 475-H, do Código de Processo Civil, embora mais simples do que o adotado pela Consolidação das Leis do trabalho, tem sua aplicação no processo trabalhista comprometida pela existência de regulamentação expressa para a matéria. (...) A previsão de ônus adicional de 10%, no caso de inadimplemento da condenação no pagamento de quantia certa, na forma do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, busca tornar menos interessante, do ponto de vista econômico, a mora do devedor. Afinal, caso se execute, pouco mais ou pouco menos, o mesmo valor que deveria ser pago voluntariamente, é desprezível a vantagem decorrente do pronto cumprimento do julgado, Como nota Gordon Tullock, em termos gerais, "the payment which will be extracted by the court proceedings may be sufficient to deter violation of the contract". No processo do trabalho, ante a natureza geralmente alimentar do crédito exeqüendo, sua rápida satisfação é ainda mais importante, o que ficaria facilitado pela aplicação da sanção agora inserida no texto do Código de Processo Civil. O artigo 880, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, não se refere, porém, a nenhum acréscimo para a hipótese de não satisfação voluntária do crédito exeqüendo, o que leva a afastar-se a aplicação subsidiária, in malam partem, da regra do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, tanto mais diante de seu caráter sancionatório. Solução diversa, ainda que desejável, do ponto de vista teórico, depende de reforma legislativa. (...)" (O processo do trabalho e as recentes modificações do Código de Processo Civil, "in" Revista do Advogado - AASP - de maio/2006, p. 197/205).
6. "Proposta no alv o uso da taxa selic para constranger a defesa na JT" (www.conjur.com.br 11/07/03); Jornal Trabalhista Consulex, Ano XX, n. 979, 18/08/03, pág. 11; Revista do Direito do Trabalho, Consulex, Ano 9, n. 8, agosto/2003, pág.24.
7. Súmula 07 do Tribunal Regional do Trabalho de São Paul "JUROS DE MORA. DIFERENÇA ENTRE OS JUROS BANCÁRIOS E OS JUROS TRABALHISTAS - DIREITO LEGAL DO TRABALHADOR - CLT, ARTS. 881 E 882, E ART. 39, PARÁGRAFO 1o., DA LEI 8.177/91" (Resolução n. 05/06 - DJE 03/07/06).
8. MARINONI ("A efetividade da multa na execução da
sentença que condena a pagar dinheiro", in DUARTE, B
& DUARTE, R. Processo civil: aspectos relevantes,
São Paul Método, 2006, p. 150, destaques originais):
"Todos sabem que, na lógica do sistema processual
vigente, não há vantagem no pagamento imediato da
condenação. Se o condenado tem ciência de que a
satisfação do crédito declarado na sentença demora
para ser efetivada, prefere esperar que o lesado
suporte o tempo e o custo da execução por
expropriação. Ora, como é pouco mais do que óbvio, o
simples fato de o infrator poder trabalhar com o
dinheiro durante o tempo da demora - que não é pequeno
- da execução por expropriação somente pode lhe trazer
benefício, com igual prejuízo ao lesado".
LUCIANO ATHAYDE CHAVES (A Recente Reforma no processo
Comum - Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho,
LTr, São Paulo, 2006, pág. 55): "O art. 880 da CLT
ainda conserva a superada idéia de autonomia do
processo de execução, na medida em que alude à
necessidade da expedição de "mandado de citação ao
executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo
no prazo". Cuida-se de comando normativo atingido em
cheio pelo fenômeno do ancilosamento normativo, diante
do que preconiza a atual dinâmica do processo comum,
abrindo caminho para o reconhecimento do que a Ciência
Jurídica denomina de "lacuna ontológica".
Ora, não faz sentido algum se manter o intérprete
fiel ao disposto no art. 880 da CLT enquanto o
processo comum dispõe, agora, de uma estrutura que
superou a exigência de nova citação para que se faça
cumprir as decisões judiciais, expressando, assim,
maior sintonia com as idéias de celeridade, economia e
efetividade processuais. É a hipótese mais do que
evidente de lacuna ontológica do microssistema
processual trabalhista".