“O Direito do Trabalho só morre se quiser”

Professor Emmanuel RAY, da Universidade Sorbonne, defende que Direito do Trabalho deve acompanhar as mudanças da modernidade

O encerramento das atividades científicas do 9º Congresso Internacional da Anamatra na Universidade Sorbonne, na tarde dessa terça-feira (21/2), foi marcado pela intervenção do professor de Direito Jean Emmanuel RAY sobre as os impactos das novas tecnologias no Direito do Trabalho.  A mesa foi presidida pelo diretor de Informática da Anamatra, Rafael Nogueira, e pela diretora de Formação e Cultura da entidade, Silvana Abramo. 

Para o acadêmico, um dos principais desafios com relação ao tema na atualidade é saber se, de fato, estamos perante o fim do Direito do Trabalho, o que em sua avaliação só acontecerá se “ele quiser”. “O Direito do Trabalho não pode permanecer igual se o mundo está se transformando”. Nessa seara, ressaltou a necessidade de se compreender as novas plataformas digitais de trabalho, bem como o desafio de lidar com as questões relativas à saúde do trabalhador frente à modernidade. 

Na avaliação de RAY, para entender a atualidade é necessário revisitar as origens do Direito do Trabalho no mundo, criado para proteger o homem e não a máquina. Em sua origem, o tempo de trabalho e o repouso eram bem definidos, o que se torna um desafio nos dias atuais. “O neurônio não repousa, os problemas são diferentes. A greve de braços cruzados era eficaz, pois parava a produção”, comparou.

Para o acadêmico, o que denominou de “Revolução Imaterial” vem alterando a base tradicional das relações trabalhistas, passando a subordinação a não ter mais uma relação direta com a produtividade. “A autoridade não é mais o pilar da sociedade. A geração jovem possui hábitos de flexibilidade. A base do trabalho intelectual não é a disciplina, mas a liberdade”, analisou. 

O professor também expôs acerca da plataforma digital Uber que, segundo ele, rejeita deliberadamente o modelo trabalhista atual, mas que é bem recebido por seus colaboradores e clientes. Segundo RAY, pesquisa feita por uma professora com trabalhadores demonstrou que os motoristas almejavam a autonomia no trabalho. O professor ainda mencionou o fato do aplicativo ser uma alternativa no país contra a discriminação racial no trabalho. “Nós lutamos contra a discriminação na França, mas não negamos o fato de que ela existe”. 

De acordo com o palestrante, o modelo econômico do Uber e similares demanda uma busca de critérios de proteção social. Nesse ponto, ressaltou que a recente reforma trabalhista na França garantiu aos trabalhadores autônomos, por exemplo, não especificamente o direito de greve, mas de se organizarem coletivamente por melhores condições de trabalho.

Ao final de sua exposição, o professor abordou a alteração recente na legislação francesa que garantiu aos trabalhadores o direito à desconexão (o trabalhador pode se desconectar virtualmente do trabalho caso não chegue a um acordo com o empregador sobre as necessidades de ambas as partes). Em sua avaliação trata-se de uma solução falsa para os grandes desafios do Direito do Trabalho na modernidade. “A relação com o e-mail é ambivalente. Será que somos apenas vítimas?”, indagou. Para o acadêmico, não há uma desconexão intelectual. “Se a gente quer uma informação, consegue. O trabalho não para. O problema não é desconexão técnica. Não é o receber, é a emissão”, defendeu. Nesse ponto, de acordo com RAY, o grande desafio dos juristas será lidar com a emissão de dados virtuais indiscriminadamente. 

* Texto produzido com a colaboração do juiz Geraldo Magela (Amatra 3/MG). Confira abaixo comentário complementar do magistrado às palestras:

“A palestra foi interessante porque o professor se mostrou bem atualizado na questão das novas tecnologias e o impacto que elas têm no Direito do Trabalho. O palestrante tem uma grande oralidade na maneira de explicar a situação atual, mas penso que ele desconsidera o fato de que por vezes as novas tecnologias têm propiciado que pessoas que para a legislação trabalhista brasileira seriam legalmente trabalhadores não serem considerados empregados. 
Ele defende expressamente a legalidade do Uber e que, por seu modelo econômico desconsiderar e não querer a aplicação da legislação trabalhista, que deveríamos acolher essa visão econômica. Ao meu sentir, trata-se de uma visão perigosa, pois estamos em um ambiente econômico de uma desigualdade social cada vez maior e o modelo econômico do Uber acaba impondo um modo de labor sem garantias não apenas trabalhistas, mas sociais, porque esse trabalhador não necessariamente contribuiu para a Previdência Social. Futuramente, teremos uma bomba social a explodir, pois em caso de acidente, idade avançada, essas pessoas não terão condições de trabalho, bem como não terão contribuído para a sua aposentadoria. 
Além disso  é um modelo de exploração econômica que por vezes impõe regras por demais arbitrárias com relação à aplicação. Dizer que em todos os casos não há vínculo eu acho temerário. Acredito que devemos garantir ao magistrado o direito de, no uso de sua independência, aferir no caso concreto e, se perceber que há os requisitos para a relação de emprego, caracterizar aquele caso como contrato de trabalho. Pode acontecer que um ou outro motorista não se enquadrar nos requisitos da CLT. O fato do aplicativo simplesmente negar a vigência da CLT não quer dizer que ela não pode ser aplicada. A lei é obrigatória e válida para todos”. 

 

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